quinta-feira, 19 de março de 2009

Ruínas

Sempre me senti de um jeito diferente das pessoas ao meu redor. Era como se as minhas batidas cardíacas estivessem em uma estação totalmente diferente de qualquer um outro. Nunca foi uma questão de me importar em não me encaixar em certos grupos, mas eu sentia a falta de ter alguém ao meu lado. Alguém perto de mim sem segundas intenções; sem pena, piedade. Procurando ajuda, todos me falaram para ter paciência, pois tudo acontece no seu tempo certo. Mas o meu tempo se difere dos outros. E eu já esperei demais, de mim, dele e de todos. Sentir-se sujo o tempo inteiro é como uma chama queimando de leve a sua pele, perto o bastante para arder, mas longe o bastante para não queimar muito rapidamente. Algo que nunca irá parar, algo que não se tem anestesia para amenizar a dor. E as pessoas ao redor só pioram as pequenas queimaduras e fazem delas feridas abertas. Nenhuma cicatriz, nenhuma chance de se esquecer com o tempo ou ir se acostumando. Sorrir por fora é diferente de sorrir por dentro. Quando você está sendo acolhido de formas erradas, você não se sente protegido nem desprotegido. Seu chão continua lá, mas em pequenas ruínas; machucando ainda mais a sua continuação positiva. É como se você tivesse tudo, mas não pudesse aproveitar. Porque seu braço não chega a alcançar a outra mão, porque seus dedos estão fracos demais e suas unhas quebradas não conseguem nem roçar na ponta dos dedos do outro lado. Nada é suficiente, nada satisfaz. Mas, existe aquela pessoa que consegue te segurar. Alguém que não irá te ajudar.

Existem as abelhas e as vespas. As abelhas só atacam quando se sentem em perigo e, quando te picam e o ferrão é puxado, elas morrem. Pois ele é tão forte que acaba retirando todo o interior da abelha. Assim, as abelhas só machucam uma vez na vida inteira. As vespas podem nos machucar quantas vezes quiserem, pois seu ferrão é diferente dos da abelha. É claro que depois de umas três, quatro vezes picando, ela perderá o veneno. Mas isso não impede a vontade dela querer ou não te furar, e elas podem fazê-lo. Um algo nos criou como vespas, e nós machucamos como elas. Usando nossos ferrões sem parar, porque nós nunca nos importamos quando estamos com o poder. O poder de machucar diversas vezes, com o intuito de nunca virar o jogo e sempre estar em vantagem. Como sempre há vencedores e perdedores, existem as pessoas que ficam para aplaudir e pessoas que existem para consolar os que não ganharam. Inclua-me no grupo de perdedores sem alguém para um consolo; pois pena não vale nada, ainda mais quando não podem se colocar no meu lugar. É uma sensação diferente para todos, dependendo da mão que te empurra.

Vamos conversar sobre o drama. Ele pode ser utilizado de diversas formas, tanto como nas verdades como nas mentiras. Arrancar lágrimas ou risadas, divertir ou não. Esse não é o ponto. A verdade pode ser dramática por si só, como alguém que perdeu seu filho (a) em um acidente de carro, ou alguém que está com uma doença terminal e logo irá morrer. Essas pessoas não podem escapar do drama, por mais que eles tentem ser fortes e felizes, algo sempre voltará para assombrá-los. Como os pais que perderam o (a) filho (a), como alguém que não tem muito tempo na terra. Todos possuem seus temores, e é aí que eu queria chegar. Medo. O medo tem suas partes dramáticas. Pessoas com medo de altura, por exemplo, acabam criando uma cena dramática por estar em um lugar muito alto. Enquanto existem as pessoas que, podem pular de pára-quedas sem nenhum problema ou drama; medo. Eu tenho medo de entrar em casa. Eu tenho medo do meu pai e de suas mãos; eu tenho medo de tudo que envolva sexo. E isso é dramático.

Lembro-me do que fazia quando era mais novo. Costumava sair e acompanhar a minha mãe em seu trabalho. Via ela se arrumando e acompanhava cada foto e cada flash, pessoas bonitas e alegres. Parecia uma indústria boa de trabalhar e, por mais que fosse algo superficial, as modelos passavam mensagens boas. A minha mãe era boa, só os seus olhos transbordavam alegria e faziam com que as pessoas ao seu redor ficassem automaticamente felizes e dispostas. Minha mãe era a energia da minha família, ela fazia com que tudo funcionasse e nada saísse do lugar. E conseguia manter tudo correto e reconfortante com um simples sorriso torto. Meu pai era feliz simplesmente por ficar cinco minutos ao lado dela; aquilo o satisfazia muito mais do que qualquer coisa que ele tinha. Mais do que seu trabalho, mais do que a sua casa e mais do que o seu dinheiro. Minha mãe era o amor, era a vida e a ligação que me firmava ao meu pai.

E como tudo foi muito bom por um tempo, tudo ficou horripilante. A nossa vida tinha acabado, minha mãe havia morrido e meu pai estava em outro planeta sempre. Não morava mais com ele e meus tios tentavam cuidar de mim até que meu pai voltasse a sorrir, até que meu pai se curasse depois de perder a parte mais importante de sua vida; minha mãe morreu e levou com ela tudo de bom que meu pai tinha. Levou seus motivos para ficar bem e tratar todos bem. E lá estava eu, de volta a minha casa, de volta ao meu pai... E tudo que eu queria era amor paterno, era me reconfortar e sentir que eu poderia ser compreendido. Eu poderia chorar horas, esmagando meu pai com meus braços fracos e finos. Mas eu não recebi nem um sorriso, nem um abraço ou algo que pudesse me deixar mais alegre. Eu procurava meu pai, mas não o via. Aquilo arrancou um pedaço de mim, o único pedaço que eu pensei que cicatrizaria: a perda da minha mãe e agora... Do meu pai. Nunca cicatrizou.

As mãos que eu queria não me acariciaram do modo que eu esperava. Tudo fora rápido demais e, sem escolhas eu fui levado a obedecer ele. O que poderia fazer? Eu o amo, com todas as minhas forças. Ele sempre será o meu pai, aquele que me ensinou a andar e a começar uma vida. As coisas ruins nós temos que esquecer, extraindo delas as boas. Motivos para superar e até mesmo perdoar o imperdoável. Porque se a vida é mesmo curta, nós precisamos fazer dela uma passagem boa. Vivendo o máximo que pudermos, da melhor forma possível. E por mais que isso seja meloso e piegas, a minha verdade me transforma em algo clichê. Pode ser visto como idiotice, mas o amor não é algo que se pode escolher, medir ou deixar de sentir de uma hora para a outra. Eu tenho uma forte ligação com meu pai, e quando olho em seus olhos, alguns dias eu posso ver um pequeno brilho. Posso sentir o cheiro de sua culpa, por mais que ele continue fazendo os cortes e me machucando tanto fisicamente quanto mentalmente, ele transparece estar cada vez mais fraco, cada vez mais cansado.Talvez a morte seja a sua única forma de escapar e se sentir bem em outra vida ou até mesmo na falta dela. Mas não o vejo pulando de uma janela tão cedo.

Mudando de assunto, se matar sempre pareceu o jeito mais fácil de fugir de tudo. Mas é tão complicado e egoísta que, pensar em como faze-lo e nas conseqüências já fazem com que você queira se matar por não conseguir se matar! É algo que está fora do meu alcance, ou não tenho coragem suficiente mesmo.Tudo parece horrível demais e insuficiente quando você está á poucos passos da sua cova. No decorrer da vida nós falamos mal, nunca ficamos satisfeitos, brigamos e choramos; portanto, no final nos temos que nos reerguer e aceitar, nos contentar. Porque tudo poderia ser pior. Se você tem vida, tens que vive-la. Independente da sua situação.

Voltando ao nosso protagonista, meu pai é um humano. Comete seus erros e, por mais que não queira ele é totalmente egoísta. Fazendo o que o torna feliz, que é extrair a pouca felicidade que eu ainda tinha e ainda tenho. Eu sou seu filho, mas ele me vê como mais um corpo que ele pode persuadir, usar para o seu próprio benefício e esquecer de que a única pessoa que o fazia feliz, nunca mais poderá ficar ao seu lado. Mesmo que isso não seja uma desculpa para ele fazer o que faz. Mas continuo amando-o, e isso deve significar algo.

Vou criar paciência, tirar ela de um lugar inexistente e continuar respirando por algum motivo desconhecido. Ás vezes, ser a sua única motivação... Vale bem mais do que ter alguém para fazê-lo viver. As pessoas não são eternas. Mas você estará consigo mesmo (a) até o último suspiro. E essa verdade não é dramática, só é... Real.

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